“Serpentes voadoras perseguem gaviões”.
Divertia-me ao dizer
isto em meio às pessoas em volta. Como falassem simultaneamente, não percebiam
o absurdo da frase. Uma sorridente senhorinha, sentada à poltrona no canto
oposto da sala, simulava entender, e mais do que isso, concordar comigo.
Sorri-lhe de volta.
Súbito o vácuo de um silêncio causou leve desconforto, até
que um dos convidados, mais desenvolto, passou a relatar um acidente que
presenciara.
Ainda introduzia o assunto e muitos já descreviam cenas
semelhantes que por acaso ouviram dizer, testemunharam ou nas quais foram
vítimas. Houve até quem exibisse cicatrizes.
O fato é que ninguém ouvia o relato do outro e todos, novamente,
falavam ao mesmo tempo.
Como se mencionasse algo trágico, manifestei-me, mais uma
vez, em meio à massa sonora que preenchia o ambiente:
“Papagaios são verdes a não ser quando eventualmente uma curva inesperada!”
A senhorinha, em sua poltroninha, levou a mão à boca como se
exclamasse: “Oh!”
“Foi terrível”, disse-lhe consternado.
Imediatamente virei-me para o jovem ao meu lado, que, veias saltando
do pescoço, contava a um casal o acidente de um amigo motociclista.
Os dois também falavam sobre o trem que descarrilou na viagem
em lua de mel. Os relatos colidiam em alta velocidade. Temi pela segurança de
todos.
Com um ar então admirado exclamei:
“Sapos e jacarés brincam
de estátua.”
O casal comentou em uníssono:
“Quase morremos de susto! ”
O jovem, por sua vez, balançava a cabeça e repetia:
“Nunca vi nada igual... Nasceu de novo... O cara nasceu de
novo!”
A esta altura, emprestei-lhes algum espanto:
“Inacreditável! ”
Salvou-me a mesinha das bebidas. Servi-me a primeira
dose.